Há seis meses, saí de casa e iniciei a viagem.
Chorei as minhas poucas lágrimas de saudade antecipada,
gravei na memória o calor dos abraços, ignorei os receios,
esqueci a dúvida numa gaveta do meu quarto.
Mas na mala de vinte quilos veio,
sem que eu soubesse mas sob suspeita,
bem disfarçada entre roupas e livros, a solidão.
Chegou engelhada, sofreu os amassos do tempo,
mas logo depois sentiu-se em casa.
Cresceu-lhe o cabelo, ganhou o peso das incertezas.
Eu fiz-lhe festas, dei-lhe colo,
trouxe-a comigo na mochila de todos os dias.
Passeamo-nos juntas pelos becos, pátios e ruas de nomes ingénuos
à procura de olhares que objectivamente
caibam nas nossas objectivas,
à espera da contra-luz que nos mude as ideias.
Contamos sincronizadas os minutos embaciados do tempo contado,
sintonizamos frequências singulares.
Questionamos a estranheza das coisas,
surpreendemo-nos com a sua fragilidade e inconstância.
Caminhamos com passos esperançosos os caminhos até casa,
esperançadas de encontrar no correio
um alento para os passos do outro dia.
Se não, adormecemos e despertamos as vezes bastantes,
até ter outra vez a certeza.
Sem remordimento nem pena, sem desgosto ou amargura.
Vou levá-la comigo nas malas de todas as viagens,
a pesar-me mais no peito do que nos braços,
nos vagares de qualquer regresso a um sítio qualquer.