sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

刺猬 Hedgehog, banda de Pequim

Mais uns sons da cena musical chinesa actual:






About Hedgehog

Hedgehog(刺猬), like many of the best bands in Beijing, was founded in the miracle years of 2004-2005, in January 2005, specifically. For some inexplicable reason they didn’t seem to make much of an impact early on, but we first met them when they played a series of concerts at D22 in late 2006, during which time they very quickly became one of the favorite bands. In late April 2007 they performed a concert that smashed the sound barriers and created such an uproar that within a month they had catapulted into position as one of the most talked about underground bands in China. Hugely popular with both musical hipsters, for the brilliance of their compositions and performances, and with rock and roll party animals, for their wild, out of control pop frenzy, Hedgehog’s music is totally approachable and totally unique. Percussionist and vocalist Atom(阿童木) is a tiny girl who just barely peeps over the top of her drum kit but who bangs out explosive rhythms like a monster possessed. Bassist Box(博宣), the person responsible for keeping the band in line, punches out the tight bass lines that hold the songs together while seeming lost in oblivion. Guitarist and vocalist ZO(子健) slashes out huge waves of chords that seemed to fit perfectly within the songs yet at the same time tear them apart -- while jumping, twirling, staggering and even falling over several times during his performances without letting up for the slightest pause. Hedgehog is a classic power trio with three of the best performers in Beijing on their respective instruments, but it is their song-writing skills that make this band more than just a great performance band and one of the most important in China.


Source:

http://www.myspace.com/hedgehogcn

http://www.kungfuology.com/andybest/2009/01/hedgehog-ahead-of-the-curve.html

Thank you Andy Best!

王啸坤+琴麻岛 Essay Wang + Kingmadao


Música chinesa, por fim... à experiência.
Permitam aos vossos ouvidos
uma pequena incursão no som indie/folk chinês
(não sou eu que faço os rótulos).
Eu gosto.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

100 dias na minha rua, parte 2


Parte 2: Rua dos Mercadores, Rua da Tercena

Mas a minha rua fica, mais precisamente, no prolongamento da Rua dos Mercadores, aquela que se enche de lojas, de uma ponta à outra, e de gente de uma ponta à outra a tentar abrir caminho nos passeios estreitos onde não se pode parar nem um minuto. A mesma que me agudiza o mau humor matinal quando a percorro acelerada para apanhar o autocarro, lá ao fundo na Almeida Ribeiro, San Ma Lou para os locais.

No meio está o Mercado de S. Domingos onde vou comprar os legumes, a fruta, as flores e o peixe ainda meio-vivo para fazer para o jantar no meu forno comprado em segunda mão. Estão lá as lojas de roupa, as quinquilharias ao lado de 7-eleven, as farmácias chinesas incluindo aquela onde traguei o chá medicinal mais intragável da minha vida, bom para a garganta, o supermercado San Miu, mais lojas de roupa, um ou dois estabelecimentos de comidas (são raros os estabelecimentos de comida que se chamem restaurantes), louceiros e mais quinquilharias, lojas de artigos do lar, bancas de fruta, lojas de pastelaria chinesa, lojas de peixe seco e frutos secos, secados ao sol, uma papelaria... Já sei de cor a sequência, não porque a tenha decorado, mas pelos cheiros que sinto ao longe quando a percorro já menos acelerada no regresso, vinda do autocarro que parou na San Ma Lou: o cheiro forte do peixe e marisco secos secados ao sol, depois o cheiro suave das pastelarias, depois o cheiro mais intenso dos chás medicinais da farmácia chinesa...


Já quase a chegar à curva para a Rua das Estalagens, ao passar a Travessa do Soriano que me levaria ao Leal Senado - com as mercearias que têm artigos portugueses, como o Tin Une, a entrada para o mercado e as barraquinhas de roupa do lado de fora do mercado - está o edifício amarelo cujo amarelo muda ligeiramente de tonalidade dependendo da hora do dia a que passo. O edifício amarelo tem umas varandas verdes deliciosas e abandonadas, apenas com umas cortinas já em trapos a dançar com a brisa tímida que entra de quando em vez. Nas varandas verdes vêem-se ainda pendurados os suportes verdes dos vasos de flores e eu imagino as flores que ali floriram em tempos idos, as meninas que se assomavam para ver gente passar, as vidas que espreitavam de dentro do conforto do edifício amarelo, por cujas janelas se vislumbram agora caixotes que armazenam mercadorias das lojas que ocupam a rua de ponta a ponta. São muitos os edifícios assim em Macau, maravilhosos e desprezados pelo tempo, a descascar-se, perdendo uma lasca de dignidade a cada lasca de tinta que cai, a cada fenda que se abre nas paredes esquecidas e húmidas, a cada nova camada de pó preto a disfarçar os tons de amarelo, verde e rosa.

A Rua dos Mercadores acaba na curva da Rua das Estalagens, onde começa a Rua da Nossa Senhora do Amparo que, por sua vez, dá lugar à Rua da Tercena, a minha rua. Ou, vendo as coisas ao contrário, a Rua da Tercena "começa na Rua dos Faitiões, próximo do Beco dos Faitiões e do Pátio da Tercena, e termina junto às ruas dos Ervanários e de Nossa Senhora do Amparo. Diz Gonzaga Gomes que, antigamente, o mar chegava até à Rua da Tercena, pois o «vocábulo significa tulha à beira de um rio ou perto dum cais» (Luís Gonzaga Gomes em Curiosidades de Macau Antiga, citado pelo P. Teixeira na Toponímia de Macau, vol. 1, p,476)" - informação retirada do blogue Caderno do Oriente, um bom caminho para a descoberta de Macau.

A Rua dos Ervanários merece toda uma terceira parte da minha deambulação bairrista. É por ela que passo a caminho de casa, e de casa a caminho de outro sítio qualquer, todos os dias com o mesmo espanto da primeira vez porque todos os dias algo muda no humor de quem lá está a ver-me passar... A combinação dos génios, deles todos e do meu, dá à rua uma personalidade nova a cada passagem.




Deixando para trás a Rua dos Ervanários, então, vejo o prédio azul onde desde o início me surpreendeu esta loja de uma estilista (talvez portuguesa, não confirmei ainda) com entrada pelo Beco da Melancia, perfeitamente enquadrada na caricatura de uma rua tão típica e fabulosa, enquadrada talvez pela incoerência da sofisticação, assim lado a lado com os vendedores de rua, vendedores de chão. Mesmo antes do meu prédio, meia dúzia de vendedores de rua espalham no chão as suas mantas e aí expõem, sem grande sofisticação portanto, em frente da montra elegante da estilista, os objectos também incoerentes que têm à venda: artigos tipicamente chineses (porcelanas e pequenas lembranças com budas e tartarugas e animaizinhos híbridos com simbolismos auspiciosos, colares e pulseiras, minúsculos bules de chá...); DVDs, VCDs e revistas para todos os gostos mas especialmente para o gosto masculino; bugigangas várias que agora não consigo visualizar, tal o caos da montra derramada no chão; artigos de vestuário e calçado. Ao lado e, agora sim, perfeitamente encaixada no cenário peculiar da minha rua, está uma loja de "coleccionismo e velharias" - como bem se percebe, aqui os nomes das lojas, dos ofícios, das ocupações e das indústrias não têm em si qualquer ambiguidade; as lojas são exactamente aquilo que anunciam as letras nas ombreiras das portas, às vezes com pormenor a mais, às vezes já desusadas e gastas pelo uso, mas sempre honestas. Na loja de coleccionismo há muitos objectos de colecção: eu só reparo nos muitos copos de Coca-Cola e nos bonitos brinquedos (comboios e calhambeques, peões e bonequinhas antigas).

Se continuasse pela rua abaixo, teria de falar na "Fábrica de massas de farinha" e na "Classy Art Gallery & Interior Design", esta última menos honesta do que as outras porque a classe é inexistente e a arte também me parece limitada. Ao meu lado tenho um alfarrabista que, para minha tristeza, fechou as portas no dia a seguir à minha chegada mas que, para minha satisfação, as reabriu agora (só aos Sábados, parece-me), depois de ter conseguido salvar muitos livros do chicote do tufão Hagupit (que passou em Macau em Setembro). Qualquer dia passo uma tarde de Sábado no meu vizinho alfarrabista...

sábado, 17 de janeiro de 2009

100 dias na minha rua, parte 1


Parte 1: Pátio da Eterna Felicidade, Jardim de Camões

Já passei os 100. Cem dias passados no espaço da minha rua macaense. Fui eu que quis viver no centro histórico, onde Macau ainda se parece à cidade que visitei há 14 anos e ainda não se transformou numa sucessão de edifícios lasveguianos como os que se mostram aqui perto, noutras ruas da cidade.

Vou correr todos os dias, ou três vezes por semana, algumas semanas apenas uma ou duas vezes por semana, para o Jardim de Camões. A caminho, atravesso o Pátio da Eterna Felicidade onde a felicidade eterna parece ter alguma relação com as garrafas vazias que aí se amontoam e com o vagar dos gestos de um ou outro senhor com quem me cruzo na travessia, transferindo cestos de um canto do pátio para o outro canto do pátio, sem que eu chegue a perceber qual é, afinal, o destino final das garrafas vazias. Os cestos estão sempre cheios. Atravesso o Pátio da Eterna Felicidade mais pela poesia do nome do que por me encurtar o caminho; gosto da luz esverdeada do corredor que me leva ao pátio, do cheiro fermentado que fica no fundo das garrafas vazias, de pensar no que terá justificado o encanto do nome neste pátio estreito e sem encantos para além do nome...

O Jardim de Camões é grande e escuro à hora da noite a que vou para lá correr e usar as máquinas amarelas do ginásio grátis onde além de mim apenas velhotes chineses se exercitam. Não se pense que é pela facilidade dos exercícios que apenas velhotes chineses se exercitam, os velhotes chineses mantêm uma forma invejável e um ritmo não muito fácil de acompanhar. Já ouviram falar de funerais de velhotes chineses...? Os velhotes mais velhotes são quase ternurentos nas voltinhas que dão ao pátio da entrada do jardim, lenta mas decididamente movendo os braços em movimentos circulares e mirando-me às vezes de soslaio e às vezes provocadoramente a cada nova volta em que passam por mim, eu a transpirar no esforço de acompanhar a velocidade do velhote na bicicleta do lado. Ontem acabou-se-me a música do iPod a meio da bicicleta. Não quis interromper a corrida para não deixar os corredores vizinhos chegar mais longe mais depressa do que eu. Deixei-me ficar de auriculares postos, a correr. Os sons do jardim foram chegando aos poucos. Do lado de fora um cão ladrava zangadamente (desmistifico aqui a ideia dos cães comidos em Macau: em Macau não se come cão e o cão é o animal de estimação preferido de muito boa gente) e alguém discutia, ou conversava em voz demasiado alta (a mim parece-me sempre que discutem). Depois o guincho das máquinas amarelas a precisar de óleo e o estalido nervoso das lâmpadas com mau contacto nos candeeiros do jardim. Depois as tagarelices, imperceptíveis antes do silêncio do meu iPod, dos velhotes que não se exercitam e ficam nos bancos de jardim a olhar com olhar crítico os exercitantes. Os passos da velhota mais velhota em marcha às voltas do pátio da entrada do jardim. Uma televisão a passar de canal em canal pelas mãos de alguém que se aborrece com a programação televisiva, por trás duma janela atrás duma varanda num prédio ao lado do jardim, não consigo perceber qual. O cão ainda ladra, alguém ainda discute, as juntas das máquinas amarelas ainda chiam, os velhotes sentados ainda gozam os velhotes que se exercitam, e a mim. Ouve-se muito quando a música acaba a meio da bicicleta, à noite no Jardim de Camões.

Mais para dentro do jardim, vários senhores reúnem-se a jogar às cartas, atrás do busto de Camões escondidos "Por mares nunca dantes navegados", o canto dos Lusíadas gravado na pedra em chinês e em português. Muitos namorados namoram nos recantos do jardim. Meninas do colégio ainda vestidas com as fardas do colégio riem tolamente e partilham segredos de tolas paixões colegiais. Meninos de colégio já com as fardas do colégio desfraldadas lutam, na brincadeira, embora a mim me pareça um bocado a sério de mais.


segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

As luzes bonitas de Hong Kong



Eu e a Fleur fomos passar uns dias a Hong Kong.

Andámos muito pelas ruas luminosas, iluminadas pelo omnipresente néon que nos anestesia a vista e as ideias. Dormimos na Mirador Mansion, na Nathan Road, a tal onde se cruzam todas as nacionalidades, a tal do anonimato exótico próprio das cidades realmente grandes, realmente populadas. Deixámo-nos levar pela corrente das multidões nocturnas de Mongkok. Percorremos as ruas comerciais de Tsim Sha Tsui, olhando sem cobiçar, admirando sem consumir. Apreciámos o movimento das gentes nos centros comerciais, onde não se tenta sequer resistir ao apelo consumista de Dezembro ou ao poder de atracção das musiquinhas e luzinhas dessas festas que servem apenas de apelo consumista de Dezembro, do ano inteiro certamente.


Não resistimos às escadas rolantes que nos levam da Queen's Road pelo Bairro do Soho acima com a Hollywood Road lá pelo meio, serpenteando pelas ruas estreitas cheias de bares e restaurantes exóticos ou típicos, iluminados e animados ou intimistas e românticos, para qualquer gosto, sempre com gente atraente apelando também. Sempre a subir, até chegarmos a lado nenhum. Hong Kong apela, sempre e em qualquer lugar. Bebemos uma cerveja... duas talvez, num desses recantos apelativos à vista de quem passa nas escadas que rolam; agora somos nós a montra animada de um bairro de charme boémio, uma espécie de Bairro Alto em versão rolante.


Não resisti, mais uma vez, aos estreitos eléctricos que se pavoneiam pela cidade confiantes, arrogantes até, certos do seu encanto. Os autocarros de dois andares e os táxis vermelhos ajudam a embrulhar Hong Kong numa sedução comparável à de Londres, embora aí os táxis sejam outros e estes eléctricos nem existam. É a vaidade que se parece.

Usámos repetidamente o Star Ferry para nos atravessarmos da península de Kowloon, onde fica a nossa agradável, barata e internacional pensão, para a ilha de Hong Kong. Que pena a travessia ser tão breve. A brisa é tão animadora, a água (muito mais limpa e menos mal-cheirosa do que recordava na impressão da visita de há muitos anos) relaxa, o balanço do barco embala. De manhã os reflexos do sol nos edifícios arquitectonicamente vanguardistas e impressionantes cegam, obrigam a fechar os olhos e a serenar. Ao fim da tarde a luz desce e amarelece e transforma os tons cinzentos noutras cores quaisquer, sem nome. À noite as águas parecem mais rápidas, a apressar o passo para não perder lugar na Sinfonia das Luzes...


A natureza tem lugar na frenética Hong Kong. Passeámos em parques e jardins botânicos, fizémos piqueniques, fomos ao Pico Victoria e demos uma heróica volta ao Peak Circle, uns longos 3 km de caminhada (que foram, agora a sério, muito breves e frescos e animados pela passagem de muita gente que aos domingos parece querer escapar do rebuliço dos néons omnipresentes). De lá de cima vemos tudo, os portos cheios de juncos e sampanas onde estão os barqueiros a aliciar os turistas com os seus preços competitivos para viagens de 15 minutos por entre barcos de pesca, com o som do trânsito ali ao lado. Vemos as ruas, escondidas por trás dos arranha-céus por onde o sol nunca consegue passar, sombrias em pleno meio-dia. Vemos os riscos deixados pelos carros que circulam aos milhares, emitindo as suas quantidades proporcionalmente impressionantes do dióxido de carbono que quase se vê na neblina estranha que invade o ar a qualquer hora do dia, dando à luz intensa uma densidade dúbia e uma cor quase bonita; a cor da poluição é quase bonita.


Fomos ao porto de Aberdeen (chamado assim por se assemelhar, aos olhos dos ingleses, ao porto escocês com o mesmo nome) e aos restaurantes flutuantes. No porto de Aberdeen estavam juncos e sampanas com barqueiros a aliciar os turistas com os seus preços competitivos para viagens de 15 minutos por entre barcos de pesca, com o som do trânsito ali ao lado... Nós fomos aliciadas, mas não fomos. Uma senhora idosa pediu-me 10 HKD pela fotografia que lhe tirei, primeiro à socapa, de soslaio, depois com pose de fotografia que custa 10 HKD. Não aceitou quando lhe estendi o dinheiro. O porto é um lugar tão diferente do mundo ali ao lado. Apesar do som do trânsito nas estradas vizinhas, apesar dos motores de barcos que passam, apesar da luz bonita da poluição que invade o ar da cidade toda, ali há outro passo, outro ritmo, outras velocidades. O peixe seca lentamente, secado em redes próprias para o efeito. O camarão é lentamente escolhido e informalmente catalogado para a venda, mais tarde. As mulheres conversam devagar enquanto as mãos procedem à recolha e selecção, cuidadosa e lenta, da matéria-prima. Em todo o lado mulheres, velhos e jovens nos recusam fotografias, levantando a mão de negação ao mesmo tempo que fazem pose e desejam ter ficado bem.


Passámos no Mercado das Flores, visitámos o Jardim dos Pássaros. São curiosos os senhores que passeiam com olhar de orgulho as suas bonitas gaiolas com passarinhos silenciosos e envergonhados. Quase pensei trazer uma bonita gaiola com um pássaro silencioso para me fazer companhia em Macau... Mas deixei os passarinhos em paz, quietos nos seus arrufos e conversas discretas. Não têm culpa da minha ocasional solidão.


Gosto muito de mercados. Não podíamos deixar de ir ao Temple Street Night Market, cheio. Cheio de gente, de barraquinhas de bugigangas variadas, de comida convidativa, de preços imbatíveis como só podem ser os preços de bugigangas, de velhotes de ar simpático que nos olham com estranheza, estranhando-nos como se este mercado não fosse visitado por todos os turistas que passam por Hong Kong, como se não vissem diariamente mulheres ocidentais de olhos grandes e feições exóticas, exóticas aos seus olhos (rasgados e orientais).


Gosto de observar as pessoas. O guia American Express Top 10 Hong Kong que a Filipa me emprestou tem, nas páginas dedicadas a Kowloon se não me engano, toda uma secção dedicada a "locais para observar as pessoas". Entendo perfeitamente. Eu viajo também para observar as pessoas. Nas ruas, no metro e no autocarro; nas passadeiras ao nos cruzarmos; sentadas nos bancos de jardim a pensar na vida; sentadas nas cadeiras das carruagens a pensar no que vão comer ao jantar; em pé a tentar um equilíbrio instável enquanto reflectem nos planos de fim-de-semana, na resposta que deviam ter dado ao patrão no trabalho, na resposta que não deviam ter dado a outro alguém qualquer; em pé nas filas para comprar bilhetes, de olhos vidrados a enumerar os produtos a comprar no supermercado da esquina antes de chegar a casa... Gosto dos olhares alheados dos utilizadores de iPod que entram numa dimensão distante enquanto fisicamente se transportam para uma dimensão real, talvez não tão interessante, talvez não muito musical. Cada um tem uma história completa, complexa, cheia de dimensões que todos os outros desconhecem, que ninguém sente nem entende. Milhares de filmes de argumentos originais a circular todo o dia nas carruagens dos metros em todas as cidades do mundo... e não chegamos a ver nenhum, entretidos nas nossas próprias dimensões, com argumentos de originalidade relativa...


Comemos em "mercados de comida" dos quais não mostro pormenores por saber que a minha mãe se afligiria com a ineficácia da ASAE local... sítios verdadeiros, genuínos, toscos e transparentes. Comemos num indiano na Chungking Mansion. Comemos comida rápida, comemos comida lenta também. Não temos problemas com a comida, ela também não tem connosco. Há coisas comestíveis em todo o lado. É verdade que sinto saudades de um caldo verde, um cozido à portuguesa da minha mãe, uma feijoada da minha mãe, um bacalhau bem feito em qualquer lado. A lembrança dos sabores e dos cheiros, do azeite e do pão molhado no azeite, dos almoços de domingo em minha casa... deixa-me nostálgica, admito. O paladar exerce uma impressão muito forte no departamento cerebral dedicado às recordações. Mas comer... posso comer quase qualquer coisa, em qualquer lado.


Já voltei a Hong Kong. Desta última vez, deparei-me com um estranho protesto: contra as torturas de praticantes de Falun Gong (uma arte de meditação actualmente proibida na China). O senhor nas imagens limitou-se a manter na mão o objecto cortante.

Vou voltar muitas vezes a Hong Kong. Para ir ao cinema e às compras, para andar durante horas por ruas cheias de gente e de histórias e de vida. Para tentar apanhar a luz mais bonita do dia, nas ruas de ar saturado de poluição. Já voltei ao Soho com a Prof. Han Li Li, saboreámos um vinho tinto da Toscana enquanto víamos passar a gente que rolava nas escadas rolantes do Bairro Alto rolante de HK.