sábado, 27 de junho de 2009

Quase o fim, à janela

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Faltam menos de 2 meses para deixar Macau
e a nostalgia já ocupou o lugar, à janela
a espreitar o que aparece depois da curva.
Eu gosto dela,
da palavra e da sensação, juntas.
Não sei se é por ter de partir e querer ficar,
ou apenas porque parto...
ainda sem voltar a lado nenhum.
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sábado, 13 de junho de 2009

Reflexão forçada, ou a China à chegada, ou como é mais seguro não esperar nada...













No princípio era uma ideia, vaga no conceito e vazia no interior. “China” era apenas outra dimensão, uma entidade verídica para as pessoas no mundo do lado de lá, do lado leste, do lado onde nasce o Sol, lá para os lados das vistas amarelas douradas que povoam a imaginação ocidental de modo tão iludido, tão embaciado pelos juízos e superstições que julgamos não ter.

Mas a ideia era nada. E não era minha. Era dos livros e revistas que leio obliquamente, na pressa de saber. Era da Internet e das suas mensagens circulares, que me chegam regularmente vindas de todos os lados menos do oriental. Era da televisão, das reportagens tantas vezes obtusas apesar da tentativa de isenção; das imagens reais tantas vezes arredondadas, por defeito ou por excesso, na geometria imperfeita dos acontecimentos. Era da cultura presumida de que falamos como certa e exclusivamente nossa, inabalável e infalível.

É preciso sentir para saber. É preciso ir lá e cheirar o ar saturado de histórias ditas na primeira pessoa; apalpar os dias desde o nascer ao deitar do Sol e perscrutar as gretas das mãos de quem habita a vida real; distinguir as cores e as suas transformações à luz dos diferentes sóis das horas do dia; saborear o agre e o doce das coisas nas papilas insuficientemente gustativas das bocas abertas de espanto, pasmadas pela surpresa da descoberta, pela estranheza do outro… É preciso estar lá e ouvir o que dizem as calçadas pisadas por passos rápidos no anonimato da multidão, sentir nas mãos o calor das pedras como bocadinhos de lume; olhar em plano ampliado o que antes vira apenas do espaço, ver com a lupa empirista o que antes lera apenas de cabeça inclinada nas lombadas dos livros das bibliotecas.

Então eu vim. Cheirei as essências, apalpei as mãos e as pedras, estudei cuidadosamente as cores e os feixes de luz da manhã e do fim da tarde, senti o paladar das coisas e o sabor picante do descobrimento do outro, ouvi sons imperceptíveis e decorei sensações únicas, fiz considerações metafísicas e compreendi o valor da diferença. Errei por ruelas e becos, pátios e caminhos sem nome, querendo divisar a polpa da aventura. Aprendi, enfim, como ser Eu do outro lado, na dimensão amarela da Terra. Já sem ilusões, mas ainda iludida pela emoção de saber as coisas na pele e não nas letras. Já sem a vista toldada pelo desconhecimento, mas ainda apercebida do que não sei. “China” tem agora razão dentro de mim, nas entranhas de quem sou, no âmago de quem quero ser. Já não me transcende, mas faz-me querer descobrir.

(Texto usado no concurso de escrita em português do IPM)

"3 Pianos" em Macau

Depois de perder a oportunidade de vê-los em Portugal, recuperei-a aqui, num grande concerto. Deixo uma amostra no "Sonho dos Outros", um dos temas do Sassetti de que mais gosto, aqui tocado a 6 mãos. Outros temas lindos foram a "Menina e o Piano" do Laginha, o tema chinês tocado pelo Burmester e sempre a cumplicidade algo improvável dos 3, afinal tão natural.


Bernardo Sassetti, Mário Laginha e Pedro Burmester. Trinta dedos, seis mãos para 3 pianos. Três dos mais conceituados pianistas portugueses. Da música clássica, que formou os três, aos sons mais livres do jazz - que sempre fez parte das carreiras de Laginha e Sassetti - apresentam em palco um acto de partilha, mostrando uma grande cumplicidade e prazer em tocar em conjunto. São estes universos distintos, ainda que com raízes próximas, que se cruzam e enriquecem neste projecto. O resultado desta experiência invulgar, ao invés de realçar as diferenças entre os géneros, procura fundi-los, amalgamá-los, despi-los dos seus sons mais usuais. 3 Pianos é um momento musical sublime, tocado com uma finesse e brio extraordinários.

terça-feira, 9 de junho de 2009

terça-feira, 2 de junho de 2009

Bocadinhos de texto: "Traduzir-se"

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"TRADUZIR-SE"
de Ferreira Gullar
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Uma parte de mim é todo mundo
Outra parte é ninguém
Fundo sem fundo
Uma parte de mim é multidão
Outra parte estranheza e solidão
Uma parte de mim, pesa, pondera
Outra parte, delira
Uma parte de mim almoça e janta
Outra parte se espanta
Uma parte de mim é permanente
Outra parte se sabe de repente
Uma parte de mim é só vertigem
Outra parte, linguagem
Traduzir uma parte na outra parte
Que é uma questão de vida ou morte
Será arte?
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segunda-feira, 1 de junho de 2009

Ao crepúsculo no Lou Lim Ieoc

CREPÚSCULO
de Florbela Espanca
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Horas crepusculares tão magoadas,
correm de leve, preguiçosamente...
cai a tardinha sonhadoramente...
Vamos os dois sozinhos, de mãos dadas.
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("Esparsos de Florbela")